O governo do Mato Grosso anunciou na última segunda-feira (19) chamada pública em busca de investidores para dois ramais ferroviários no estado, em um movimento que joga pressão sobre a Ferrogrão, um dos principais projetos de infraestrutura do atual governo. Oponente da ferrovia federal, a Rumo Logística já se apresentou como interessada ao projeto mato-grossense, que atende as mesmas regiões de seu projeto Malha Norte, ligando seu terminal de Rondonópolis, no sul do estado, a Cuiabá e Lucas do Rio Verde.
O projeto do Mato Grosso tem investimentos estimados em R$ 12 bilhões na construção de 730 quilômetros de trilhos. O objetivo é iniciar as operações do primeiro ramal, para Cuiabá, em 2025. O segundo, a Lucas do Rio Verde, começaria a operar em 2028. A decisão do governo Mauro Mendes (DEM) dificulta o esforço do Ministério da Infraestrutura para viabilizar a Ferrogrão, ferrovia de quase mil quilômetros para ligar Sorriso (MT) a portos no Pará. O projeto do governo federal prevê aportes do Tesouro caso a Malha Norte fique pronta antes de 2045.
Para a cobertura de riscos do empreendedor, incluindo o início antecipado da ferrovia concorrente, o Ministério de Infraestrutura separou R$ 2,2 bilhões pagos pela Vale para renovar concessões. Em entrevista após o lançamento do projeto, o governador do Mato Grosso disse que a concorrência entre os projetos ferroviários é benéfica ao país e que os ramais estaduais não atenderão apenas a produção agrícola do estado.
“Daqui poderão sair milhões de litros de etanol, milhões de quilos de proteína para outras regiões do país. Já a Ferrogrão é uma ferrovia de exportação”, afirmou. “Dizer que uma tem que sair primeiro para depois viabilizar a outra é um argumento que não para de pé.” A construção da Ferrogrão é foco de um embate entre a Rumo e o governo Jair Bolsonaro. Nos bastidores, a empresa reclama que seu projeto vem sendo atrasado para viabilizar a saída pelo norte. Agora, com apoio do governo do Mato Grosso, ela larga na frente.
Em evento na última segunda, o governador Mendes defendeu que o modelo proposto garante a concorrência pela construção dos ramais, mas o projeto apresentado dá larga vantagem à Rumo, que já opera a malha que liga o Porto de Santos a Rondonópolis. O projeto será feito pelo modelo de autorização, no qual o empreendedor assume todos os riscos -diferente de uma concessão, que costuma garantir taxa de retorno mínima. Ao propor a autorização, o Mato Grosso se antecipa a legislação federal sobre o assunto, que está em debate no Congresso.
O governador Mendes afirmou ter certeza da legalidade da proposta, que seguiria lei de 2011 sobre trechos ferroviários estaduais. “Temos toda a segurança jurídica sobre o lançamento dessa alternativa, não temos a menor dúvida.” “Essa vai ser a ferrovia da indústria”, disse o governador. “O modal ferroviário é muito importante para a saída dos grãos, mas também conecta a indústria de Mato Grosso com os grandes centros consumidores. Exportar é bom, mas a conexão com a indústria nacional é pelo Sul-Sudeste.”
No evento de segunda, a Fiemt (Federação das Indústrias do Mato Grosso) estimou que os novos ramais atraiam até R$ 30 bilhões em investimentos para o estado. O governo espera a geração de 235 mil empregos durante as obras. Durante cerca de duas horas, parlamentares e representantes empresariais defenderam o projeto. Aliado do presidente Jair Bolsonaro, o senador Jayme Campos (DEM) criticou a demora do governo em liberar a expansão da Malha Norte e criticou pressões do governo federal contra as autorizações.
“Apoio o governo Bolsonaro, desde que não atrapalhe os interesses do Mato Grosso”, afirmou. “Eu já disse ao ministro Tarcísio [Gomes de Freitas, da Infraestrutura]: sai da minha linha de tiro.” Além da conexão com a Malha Paulista e a Ferrogrão, um terceiro projeto disputa a produção de grãos do Mato Grosso: a Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste) será construído pela Vale, como contrapartida à renovação das concessões ferroviárias da mineradora.
Em nota divulgada na segunda, o ministério diz que a concorrência pela logística no Centro-Oeste “evita a concentração de mercado na mão de um único player, estimulando a concorrência entre três saídas ferroviárias para a produção de grãos e a redução de custos para o produtor.” No texto, afirma ainda que, como qualquer outro modelo, a construção de ferrovias via autorização será apoiado pelo Ministério da Infraestrutura, que tem buscado mudar o marco legal por meio de projeto de lei em tramitação no Senado.
O governo federal fala em licitar a Ferrogrão ainda em 2021, mas depende de aval do STF (Supremo Tribunal Federal), que suspendeu a alteração de limites da Floresta Nacional do Jamanxim (PA) para a passagem dos trilhos. O projeto enfrenta ainda resistência do Ministério Público Federal, de povos indígenas e de ambientalistas. Em agosto, uma delegação internacional de ativistas e políticos de esquerda desembarca no Brasil para pressionar contra a ferrovia.
O ministro Tarcísio Gomes de Freitas aposta tanto no projeto que decidiu licitar a concessão da BR-163, hoje a principal rota de grãos para o Norte do país, com prazo de apenas dez anos. Depois disso, justificou, a ferrovia substituirá os caminhões. O leilão, no início de julho, teve apenas um concorrente, o Consórcio Via Brasil, que arrematou o contrato propondo deságio de 8,09% na tarifa de pedágio. Ao fim da concessão, o governo reassumirá a gestão da rodovia, alegando que o fluxo de veículos leves não justificaria uma nova concessão.
Com informações FolhaPress