De olho na demanda de consumidores conscientes e ao compromisso com a agenda ESG (sigla em inglês para princípios ambiental, social e de governança), as hortas urbanas e verticais vêm transformando espaços ociosos em terrenos produtivos, com hortaliças, legumes e frutas, dentro de estabelecimentos empresariais e de áreas públicas em grandes cidades. Para discutir essa nova vertente da agricultura o Sebrae em Mato Grosso realizou o painel “Hortas urbanas: os novos negócios da agricultura”, na última sexta-feira (29/10), na Arena do Conhecimento da Feira do Empreendedor 2021, no Centro de Eventos do Pantanal, em Cuiabá.
Um exemplo disso é o case da startup BeGreen, a primeira fazenda urbana da América Latina. Instalada dentro de um shopping center, no coração de Belo Horizonte, a enorme estufa agropônica de 1.500 m² ocupa uma área de 2.700 m². Além da estufa, o projeto conta com hortifrúti de produtos agroecológicos e locais de BH e um restaurante de alimentação saudável pioneiro no conceito “do campo à mesa” no Brasil.
Segundo o CEO da empresa, Giuliano Bittencourt, a ideia da Be Green e da fazenda surgiu depois de uma visita à fazenda urbana do MIT, nos Estados Unidos. “Diferente de outras fazendas urbanas de fora do Brasil que tem o foco no aumento de produtividade unicamente, a nossa fazenda procura educar e transmitir sustentabilidade para os consumidores. Nós, além da preocupação com produtividade, estamos empenhados em nos tornarmos mais sustentáveis todos os dias”, pontuou.
Exemplo disso, é a redução do desperdício de alimentos ao simplificar a cadeia logística, seguindo o conceito farm to plate (da fazenda para o prato), ao instalar a estrutura de produção em um centro urbano, evitando a baldeação das hortaliças entre centros de distribuição, supermercados e entregadores. “Hoje no Brasil, 70% do que é produzido acaba no lixo. O produtor leva ao entregador, que leva ao Ceasa ou ao Ceagesp, por exemplo, que, por sua vez, distribui para os supermercados e, dos supermercados, para nossas casas. Essas hortaliças têm vida útil bem baixa e, por serem produtos frescos, não podem ser tão transportadas. Nesse sentido, é um desperdício enorme porque a produção está longe do consumo. Com uma fazenda urbana, esse desperdício reduz em até 2%”, argumentou Giuliano.
A tecnologia é um aliado nesse processo. Por ser uma fazenda em um ambiente controlado, as estufas são todas monitoradas: temperatura, umidade, PH, condutividade, luminosidade. “Monitoramos e atuamos no ambiente da estufa para que as hortaliças cresçam de forma mais saudável possível. Acreditamos que a tecnologia não é fim, é meio. Nosso fim é ter hortaliças mais sustentáveis, mais saborosas e a experiência educacional totalmente ligada aos novos skills que as escolas estão buscando”, contou o CEO da BeGreen.
Com o sucesso da iniciativa, hoje a empresa já possui seis fazendas urbanas, sendo quatro em shopping nos municípios de Belo Horizonte, Campinas, Rio de Janeiro e Salvador. Além de uma unidade na fábrica da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo e na sede do Ifood, no Rio de Janeiro. Ao todo, são produzidos mais de 20 mil quilos por mês nas seis hortas urbanas, em quase 8 mil metros quadrados de estufa.
“O cultivo das hortaliças pode ser feito de todas as maneiras em pequena, média e grande escala. Para nós, só vale a pena em grande escala, já que a gente produz 28 vezes mais por metro quadrado, que um produtor convencional. E apesar do alto investimento conseguimos entregar uma hortaliça mais barata, mais saborosa, sem agrotóxicos e tendo uma margem melhor do que um produtor convencional”, destacou.
Horta comunitária
Outro case de sucesso é a maior horta comunitária da América Latina, com mais de 600 canteiros, e que fica em Manguinhos, favela na zona norte do Rio de Janeiro. Criada em 2013, após a chegada da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), faz parte de um programa municipal que já existe desde 2006: o Hortas Cariocas, que tem como foco a segurança alimentar.
No terreno ocioso, que já abrigou uma cracolândia, hoje 25 moradores trabalham para produzir legumes e verduras. O plantio toma conta de uma área equivalente a quatro campos de futebol. Com financiamento da prefeitura, os trabalhadores ganham uma bolsa auxílio para se dedicarem aos cuidados à horta. Os alimentos colhidos são repartidos entre eles, doados a outros moradores e também vendidos. Todo o dinheiro obtido também é dividido.
Além de gerar renda, a horta comunitária impacta diretamente a vida de 800 famílias, que adquirem alimentos de graça todos os meses. A produção mensal chega a ser de até duas toneladas de alimentos.
O engenheiro agrônomo da Prefeitura do Rio de Janeiro, Júlio César Barros, responsável pelo programa Hortas Cariocas, destacou que os impactos sociais e econômicos são inquestionáveis, mas há ainda outras vantagens como o aumento da qualidade de vida e melhora na saúde por meio do consumo de alimentos frescos produzidos localmente e sem agrotóxicos.
A Horta de Manguinhos é uma das 49 hortas espalhadas pelo Rio de Janeiro. Sendo 24 em comunidades de baixa renda e 25 em escolas municipais. Ao todo são 249 voluntários remunerados envolvidos no programa.
“Além do auxílio financeiro, para a manutenção dos plantios, a prefeitura fornece sementes, ferramentas, equipamentos em geral, fertilizantes orgânicos e capacitação dos moradores. Calcula-se que mais de 20 mil pessoas sejam beneficiadas pelo programa. Em 2020, foram produzidas 82 toneladas de hortaliças”, contou.
Fazenda Urbana
Já a cidade de Curitiba possui a primeira Fazenda Urbana do Brasil, localizado em um dos bairros mais populosos da capital, o Cajuru. Em uma área de 4.435 m² o complexo reúne os mais modernos métodos de plantio de alimentos saudáveis, sem agrotóxico. São mais de 60 variedades agrícolas orgânicas cultivadas, com a produção de frutas, legumes e verduras, além de ervas, temperos, chás e plantas alimentícias não convencionais (pancs).
O local conta ainda com estufas de culturas mais sensíveis (como tomate, pepino, rúcula e outros). Além disso, há uma central de compostagem de resíduos orgânicos do Mercado Regional Cajuru, banco de alimentos para o Mesa Solidária, cozinha escola e um contêiner que funciona como sala de aula.
A manutenção da Fazenda Urbana de Curitiba é inteiramente pautada na sustentabilidade, com energia elétrica produzida a partir de fontes eólica e solar, sistema de captação para reaproveitamento da água das chuvas e nas composteiras e os resíduos orgânicos são transformados em fertilizantes.
Segundo o diretor do Departamento de Estratégias de Segurança Alimentar e Nutricional da SMSAN da Prefeitura de Curitiba, Felipe Thiago de Jesus, mais do que produzir alimentos – os quais são destinados a programas sociais do município – o objetivo da Fazenda Urbana é difundir conhecimento. “Queremos inspirar e ensinar a comunidade como fazer uma horta urbana em sua casa, empresa, condomínio, clube. O espaço tem capacidade para receber até 150 visitantes por dia. Entre esses visitantes, estão alunos da rede municipal de ensino, que aprendem in loco sobre agricultura orgânica”, detalhou.
Felipe contou ainda, que além da Fazenda Urbana do Cajuru, o município conta com 108 hortas espalhadas pela cidade. “As ações inovadoras e criativas na área da segurança alimentar, visam ocupar os espaços urbanos de forma inteligente, conectando agricultores urbanos à sua história. São mais de 1300 famílias cadastradas, que cuidam desses espaços de maneira comunitária”, explicou.
Diferente do exemplo do Rio de Janeiro, em Curitiba, as hortas e a fazenda urbana não são remuneradas e são mantidas apenas pela comunidade de maneira voluntária. “A Prefeitura se envolve no início com o projeto técnico, providenciando insumos, limpeza do local, capacitações, mas a manutenção é feita pela comunidade. Além de um espaço comunitário, cada família tem o seu canteiro. O que eles plantam ficam para eles, seja para vender, trocar, doar”, contou.
Micro Verdes
Outra tendência é a produção de microverdes, vegetais ultrajovens, superatrativos e coloridos, ricos em sabor e nutrientes, que estão em evidência na gastronomia e em supermercados do Brasil e do mundo. Em Cuiabá, a empresa Greenline realiza a produção dos microverdes em uma fazenda urbana de ambiente controlado.
Segundo um dos sócios da Greenline e engenheiro agrônomo, Matheus Colhado, os microverdes são produzidos em um ambiente urbano e de forma sustentável, utilizando muito menos água em relação a uma fazenda tradicional.
“A nossa plantação é realizada dentro de uma casa, utilizando técnicas de hidroponia vertical através do controle do ambiente. Praticamos um cultivo indoor, com iluminação LED, controlando temperatura, umidade, Ph. Além disso, não há aplicação de defensivos agrícolas no sistema e possuímos um aproveitamento maior de área de produção, produzindo mais em um espaço menor”, explicou.
Matheus contou que atualmente eles produzem 12 tipos de variedades na fazenda urbana. “Nossa produção varia por semana, então você encontra couve manteiga, mostarda, rúcula, alho poró em uma semana e na outra beterraba, agrião, repolho roxo, coentro. Vai depender. Estamos sempre desenvolvendo novos produtos. Atualmente entregamos por semana 100 bandejas para restaurantes e para a população em si”.
Um dos diferenciais dos microverdes é que eles são entregues vivos. “Eles vão em uma fibra de coco que mantém as hortaliças vivas por até uma semana. Um produto bem mais fresco e com muitos nutrientes, inclusive eles podem conter até 40 vezes mais nutrientes que os mesmos vegetais colhidos nas fases finais de desenvolvimento”, pontuou.
Solo líquido
Uma outra alternativa de sustentabilidade na agricultura, que foi apresentada aos presentes na Arena do Conhecimento, foi o solo líquido. Criação da startup Solo líquido, da empreendedora Aline Ferreira Ramos, o solo sintético com aspecto de um hidrogel convencional tem o propósito de facilitar o cultivo de alimentos em grandes centros urbanos, ao disponibilizar nutrientes e sustentar o desenvolvimento fisiológico da planta, de forma totalmente autônomo, onde o sistema supre todas as necessidades que a planta necessita para sobreviver.
“O material contém nutrientes e água suficientes para manter o desenvolvimento de plantas de pequeno e médio portes. Dessa forma, minimiza o uso de recursos hídricos e de impactos à natureza. Além disso, é possível cultivar a hortaliça sem se preocupar com cuidados como realizar regas, adubação ou cuidados diários que elas necessitam para sobreviver. Pois é só abrir a embalagem do solo líquido, colocar a semente e esperar agir”, ressaltou.
De acordo com Aline a ideia funciona com todas as hortaliças de pequeno e médio porte, mas atualmente a start up trabalha apenas com a venda de cogumelos comestíveis.
“Assim como na hidroponia a nutrição é diferente para cada tipo de hortaliça, por isso para cada planta é um tipo de solo líquido diferente, com uma quantidade de água e de volume do produto diferente. Conseguimos desenvolver além dos cogumelos, alface, manjericão e tomate. Mas para janeiro de 2022 a intenção é iniciarmos o plantio de microverdes e a venda do solo líquido”, contou.
A empreendedora destacou ainda que o Solo Líquido trará para o meio ambiente modificações positivas em se tratando de economia em recursos hídricos para a produção de alimentos, tendo em vista que de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 70% de toda a água consumida no mundo é usada na irrigação das lavouras, na pecuária e na agricultura.
Com informações ASN